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sábado, 4 de setembro de 2010

CRÍTICA DE CINEMA : NOSSO LAR


Posted in Para Ver by Pacha Urbano - Sep 03, 2010

Como de praxe, convém antes de mais nada avisar que todos os comentários a respeito do filme Nosso Lar não são direcionados à Doutrina Espírita, ou aos espíritas e seus simpatizantes. Confesso até que foi dificílimo separar o Pacha de origem espírita do Pacha que se pretende fazer a resenha crítica deste filme.


Primeiro porque o livro homônimo, psicografado pelo médium Chico Xavier, ditado pelo espírito André Luiz, em que foi baseado este filme, é um dos meus favoritos da literatura espírita brasileira, fazendo da experiência de assisti-lo algo muito íntimo. Segundo porque é uma produção nacional de temática espírita sem qualquer outra do gênero para ser possível fazer uma comparação, já que os outros dois filmes relevantes do mesmo tema — Chico Xavier – O Filme e Bezerra de Menezes – O Diário De Um Espírito — são biográficos, abordando a trajetória de dois médiuns famosos. A história contada no filme Nosso Lar é sobre a trajetória de um espírito desencarnado.

Tanto no livro quanto no filme vemos o orgulhoso médico burguês André Luiz (interpretado divinamente por Renato Prieto, que já incorporou o personagem várias vezes, se me permitem o trocadilho involuntário, em peças de teatro) padecer por anos nos pântanos e estepes sombrias de uma região espiritual chamada Umbral, e através de flashbacks o vemos ao lado de sua família, da infância à vida adulta, e ao final sofrer uma morte dolorosa por conta de um câncer, chocando-nos com contrastes terríveis de realidade.

Em suas recordações, protegido por sua vaidade e posição social, vemos André Luiz levando uma vida luxuriosa, sem se preocupar com o que considerava questões metafísicas e religiosas. E ali no Umbral, um lugar tenebroso, sofre as piores perseguições e padecimentos físicos.

Vampiros espirituais e zombeteiros atormentam cada instante de sua vida naquelas paragens, acusando-o de suicida, alcunha que ele nega veementemente. Até que desesperado, com sua fibra por um fio, roga por socorro e é encontrado por um grupo de resgate, Os Samaritanos, que o leva para a colônia espiritual que dá nome a história.

Amparado com muito carinho por Lísias (Fernando Alves Pinto, outro inspirado em sua interpretação), que o acompanhará e guiará pela colônia, André Luiz resiste duramente com seu comportamento impertinente às novas regras com que se depara.

Novas leis físicas e morais bem diferentes do mundo material que abandonara violentamente, levando algum tempo até se adaptar ao ritmo da colônia. Ritmo este que por se tratar de um filme foi abreviado consideravelmente, cabendo a diálogos demasiadamente didáticos, infelizmente, a compensação por esta falta de tempo de desenvolvimento e adaptação do personagem.

Neste processo ele se depara com outros desencarnados que conhecera quando em vida, como a ex paciente Dona Amélia (Aracy Cardoso), pessoa a quem André jamais se importara de fato e mais adiante se mostra peça fundamental para seu ingresso à colônia, bem como sua mãe, Luisa (Selma Egrei), espírito mais elevado e habitante de outras dimensões espirituais que sempre zelou pelo filho.

Em paralelo se desenrola outro drama: o resgaste e tratamento da sobrinha de Lísias, a rebelde Eloisa (Rosanne Mulholland, a segunda personagem mais interessante da película, roubando a cena todas as vezes em que surge), entregue aos dramas internos de uma morte prematura e a impossibilidade de voltar para seu noivo, ainda encarnado.

Em um momento chocante do filme, Eloisa deixa a todos de sua família espiritual, e a nós nas poltronas do cinema, estarrecidos com sua rebeldia ao confrontá-los com ironia e sarcasmo a cerca de suas vidas felizes na colônia. A cena é poderosa porque até nos tons de suas roupas a personagem se destaca, tornando seus gestos bruscos e suas palavras densas em contraste com o clima suave de café da manhã de telenovela ou de propaganda de margarina. Chega a ser metalinguístico. Bravo! Embora acredite que não se tratou de algo intencional, já que todo o núcleo da casa de Lísias lembra em muito as novelas da Globo.

Vale destacar a direção de arte impecável neste filme, dos figurinos aos cenários tudo é eflúvio, translúcido e evanescente na colônia, pendendo para o azul e outras cores pastéis. As vestimentas dos cidadãos de Nosso Lar remetem muitas vezes à época em que viveram quando vivos, como a túnica utilizada pelo ministro Emmanuel (Werner Shünemann, austero como o próprio espírito em seus livros). As roupas dos habitantes do Umbral são escuras, cinzentas, gastas como mortalhas ou andrajos de um mendigo, representando bem o estado espiritual em que aqueles indivíduos se encontram, bem como o cenário em que fora usada uma pedreira como locação. Já o mundo dos vivos é marcado pelos tons terrosos e sépia, como nas fotos envelhecidas dos anos 30 e 40.

Bato palmas também para o trabalho fantástico da Intelligent Creature Inc., empresa canadense que já trabalhou em filmes como Watchmen, Silent Hill e Babel, responsável pelos efeitos digitais do filme, que não são poucos. Acredito que a maior parte dos cerca de 20 milhões de reais investidos nesta super produção foi usada para bancar o visual futurista de Nosso Lar.

Toda a colônia espiritual foi criada em 3D e é visivelmente inspirada na arquitetura de Oscar Niemeyer, utilizando-se inclusive de matte paiting sobre filmagens nas próprias construções do arquiteto, usadas como locação para vários momentos do filme. No passeio de aeróbus (veículo futurista utilizado na colônia como meio de transporte) em que Lísias leva André (e a nós!) para conhecer as áreas da colônia espiritual, podemos ver um lindo panorama aéreo da cidade e sua estrutura de estrela de seis pontas.

Mas incríveis são as vistas a partir da órbita da Terra da colônia, que paira sobre a cidade do Rio de Janeiro no cume de uma montanha espiritual. Em muitos momentos me comovi com o preciosismo e cuidado em retratar algo tão sutil e precioso para a compreensão e imersão do espectador à natureza espiritual da história. Paisagens fantásticas e poéticas que agradam aos olhos.

Filmes como as franquias Harry Potter, A Bússola de Ouro e As Crônicas de Nárnia nos tomam pela mão e nos apresentam a mundos com suas próprias leis e elementos fantásticos, nos fazendo crer em algumas horas de projeção na possibilidade de mundos paralelos ao nosso. Com Nosso Lar é o mesmo, ou pelo menos é pra ser encarado assim por quem não é adepto ou simpático à Doutrina Espírita, em que é possível a vida após a morte, reencarnação, vida em outros planetas e colônias espirituais em dimensões de diferentes níveis evolutivos.

Apesar de diálogos muitas vezes afetados e declamatórios, tudo dito em Nosso Lar sugere disciplina, moralidade e respeito ao próximo, como uma pregação de regeneração, que apesar de bem intencionada reserva ao filme um clima de doutrinação constante a respeito de segunda chance. Ainda assim, momentos muito bonitos de interpretação são vistos na tela, como a entrevista com o Ministro do Auxílio, Genésio, interpretado por um Paulo Goulart paternal e solene. Ou a ponta brilhante, como a de um diamante, da atriz Chica Xavier, dando voz à criada negra, Ismália, herança burguesa ainda dos anos de escravidão na casa da família de André Luiz.

Talvez os que sejam mais fervorosos em suas crenças que não ao Espiritismo se sintam melindrados em ver símbolos de diferentes religiões coabitando na sede do governo da colônia, ou os espíritos dos judeus mortos durante a Segunda Guerra Mundial — época em que se passa parte do filme — sendo recebidos de braços abertos pelos habitantes de Nosso Lar.

Sendo assim, faça como os cidadão de Nosso Lar e recebam a diferença da mesma maneira e vejam este filme de Wagner de Assis (em que assina a direção e roteiro), que soube fazer bom uso do maior orçamento do cinema nacional e a produção brasileira que mais utilizou efeitos digitais, vale ressaltar, em prol da história.

Acaba-se o filme e ficamos com vontade de saber mais a respeito daquele lugar, dos seus habitantes, de suas vizinhanças assustadoras, seus fundamentos. Literalmente sentimos vontade de voltar a Nosso Lar. Rimos, choramos e nos perguntamos intimamente sobre a possibilidade de uma cidade com ares futurista como esta existir de verdade. Para os espíritas há uma série de easter eggs ao longo de todo o filme, como quando o cachorro de sua filha o vê e o reconhece, mesmo sendo um espírito desencarnado. Muitos ficam a cargo de Emmanuel, um deles às margens do lago, quando fala de sua encarnação anterior como o senador romano Públio Lentulus Cornelius, personagem de outro livro psicografo por Chico Xavier chamado Há Dois Mil Anos, ou ainda quando menciona o próprio médium brasileiro, já pronto para transmitir mensagens espirituais.

Nesta tentativa de agradar a espíritas e não espíritas ele fez muito bem o seu trabalho. Acho que será muito bem recebido em Nosso Lar quando desencarnar. Mas somente depois, claro, de filmar as demais obras de André Luiz. =)

Tags: A Bússola de Ouro, André Luiz, As Crônicas de Nárnia, Chico Xavier, desencarnado, Doutrina Espírita, espírita, espiritismo, espírito, espiritualidade, Harry Potter, morte, Nosso Lar, Our Home, psicografia, reencarnação, sobrenatural, trevas, umbral

FONTE:http://pachaurbano.com/2010/09/nosso_lar_ofilme/

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